Tuesday, April 11, 2006

No tempo em que o tempo corria lento, assisti à parte final de uma apresentação pública de Fernando Bolivar numa faculdade localizada na Av. de Berna, não posso realmente dizer com precisão qual a data, pois não me lembro. O tema da palestra era algo parecido com “A crise da fundamentação da solidariedade de Lelio Basso”. Defendia Fernando Bolivar, dentro daquilo que consegui apreender e me resta hoje, algo na linha da fundamentalidade do Estado enquanto instrumento fundamental para a conquista de uma politica solidária.

O seu discurso contudo, apresentou um carácter preocupado, ainda que resignado, com os desenvolvimentos dos anos mais recentes. No entender de Bolivar, de acordo com o que me foi dado a conhecer das suas opiniões das diversas vezes que estive com ele – e que, no presente caso, me parece corresponder a uma opinião sincera – era fundamental para a liberdade do cidadão abandonar o conceito conservador de que ao Homem na sociedade importam acima de tudo os deveres enquanto contrapartida dos direitos que a ele são outorgados. Qualquer Homem, disse-me ele um dia, deve considerar a cidadania social como algo garantido e não um bem a adquirir, pois aquilo que é adquirido, pode também um dia ser retirado. Tal concepção dos direitos importa uma responsabilidade individual de dificil coabitação com a responsabilidade social.

Dizia ele na referida palestra que qualquer concepção de comportamento social baseada numa dicotomia Direitos/Deveres deriva numa concepção elitista da sociedade. Afinal, aqueles que melhor cumprem com os seus deveres, não assistem direitos. Todos ouvimos incessantemente no nosso dia-a-dia que a estrutura da sociedade se baseia, acima de tudo, numa desejada meritocracia, em que existe um processo de selecção natural daqueles que são melhores, progredindo nos seus estudos até niveis mais avançados que permitirão obter melhores rendimentos, e por aí em diante.

Ora, é igualmente crença comum entre as opiniões mais conservadoras, sim, porque não considerá-las mais conservadoras, que a defesa estadual dos Direitos cria na sociedade pessoas perniciosas que, obtendo gratuitamente beneficios que garantam uma subsistencia digna impede qualquer desenvolvimento do seu espirito de iniciativa. Linha de raciocinio curiosa mas a todos conhecida, que leva invariavelmente a considerar que a distribuição de riqueza concentrada no Estado é uma forma de outros ganharem dinheiro sem nada fazer no seu dia.

É-nos portanto legitimo colocar a questão de saber porque é que os Estados conseguem defender concepções meritocráticas da sociedade ao mesmo tempo que mantêm sistemas sociais vigentes de protecção daqueles com “menos capacidades” ou “menos méritos”.

A resposta está na compreensão do papel do Estado na Sociedade Capitalista, só assim, compreendendo a sua essencia, conseguimos compreender o que podemos fazer para o utilizar a nosso favor. Na Sociedade Capitalista o Estado tem um papel de mero regulador através da sua intervenção no processo económico de produção e distribuição de bens e serviços pretendendo assim distribuir as oportunidades entre as várias classes sociais de forma homogénea (a tal Justiça Social constitucionalmente prevista).

O nivel dessa intervenção estatal tem por isso, um papel fundamental na construção da nossa sociedade do momento actual para o futuro. Entendo que o Estado enquanto interveniente da vida social deve ser entendendido como um mero produto, antes de mais, da mobilização social e politica das classes existentes em determinado Estado. O objectivo final deve ser sempre (e não devemos nunca contentarnos com menos) em obter a gradual transformação social do capitalismo. Todas as lutas entre o capital e o trabalho nas várias vertentes em que ela se revela, desde a concertação social à greve e ao Lock-out devem ser assumidas por todos nós como o único meio para o desenvolvimento pleno da nossa cidadania e naturalmente dos nossos direitos. Por um lado a lógica de mercado que procurará sempre impor as maiores margem de lucro assim que assegurado o fenómeno multiplicador Keynesiano e por outro, as reivindicações sociais e politicas daqueles onde, curiosamente, se reflecte directamente o desenvolvimento da cidadania dentro de qualquer sociedade, a saber, as classes mais desfavorecidas. Na análise dos protagonistas da interminável luta de classes e para a sua mais profunda compreensão desde o final da Segunda Guerra mundial até hoje, recomendo-vos igualmente o estudo das Teorias dos jogos pois não se deixem nunca enganar, todas as concessões do capital às classes trabalhadoras não foram, em momento algum, vitórias do proletariado contra o capital mas sim vitórias do sistema capitalista na manutenção sobrevivencia na sua caracteristica mais essencial, a oposição de classes, capital e trabalhador. Certo é dizer, e não tenho qualquer medo em afirmá-lo por sentir que não deixou de ser verdade apenas porque cairam umas quantas pedras em Berlim, as condições sociais atribuidas aos trabalhadores são meros instrumentos de controle pela sociedade da classe trabalhadora que a longo prazo apenas defende o interesse da acumulação de capital.

A gestão das instituições sociais é intrinseco à mentalidade da filosofia do capitalismo porquanto mantem e reproduz as relações sociedades capitalistas. Ora notem: Em primeiro lugar, as medidas sociais estatais impoem-se segundo os interesses do capital e a disponibilidade de contribuição das classes mais favorecidas (contribuintes) e não de acordo com a real avaliação das necessidades das classes trabalhadoras. Em segundo lugar, grande número das medidas de protecção social foram introduzidas com fins de disciplinar a classe trabalhadora e como concessão aqueles que defendiam uma alteração radical do sistema. Em terceiro lugar, todas as alterações sociais correspondem às necessidades de acumulação de capital, explicando melhor este ponto, a concentração das formas de produção em modelos intensivos e não extensivos exigiam, por si, um maior investimento na educação. Outro exemplo claro que gosto de salientar é o da incorporação da mulher no mercado de trabalho que ocorreu sistematicamente nos periodos de guerra. Em quarto lugar, os maiores aumentos na despesa pública correspondem a aumentos da eficácia das máquinas tributárias estatais, mormente na tributação dos rendimentos das classes mais baixas e, nos ultimos anos, nos impostos de consumo os quais, constituindo a principal receita tributária dos estados ditos avançados, são totalmente cegos à capacidade tributária penalizando mais as classes desfavorecidas.

Por ultimo e em tom de conclusão, todas as concessões aos trabalhadores no ultimo século visaram acima de tudo a desmobilização das classes Trabalhadoras e a impedir alterações mais profundas na sociedade actual.